Maria Vitalina Leal de Matos
Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa
Sociedade Científica da Universidade Católica Portuguesa
Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.

Texto de apresentação do Colóquio O Regresso das Humanidades
Dedalus 20 (2016), pp. 11-14. Download PDF

Exmo. Senhor Director da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
Exmo. Senhor Presidente da Sociedade Científica da Universidade Católica Portuguesa
Exmos. Senhores Convidados e Oradores do Colóquio
Caríssimos Colegas,

Agradeço do coração a vossa presença e a vossa disponibilidade que torna possível a realização deste sonho: o Colóquio O Regresso das Humanidades.

Durante algumas décadas, o ensino em Portugal desvalorizou as Humanidades.

Alterações profundas na situação e nas tarefas da família e da escola, a importância crescente da televisão, do computador e da Internet, a pressão sobre os jovens – levando-os à escolha de orientações de eficácia (afinal bem precária) na procura de emprego – e o descrédito do estatuto do professor tiveram a consequência de levar a menosprezar o património cultural, e consequentemente as disciplinas que contribuem de forma insubstituível para a formação humana, embora possam parecer dispensáveis como factores de acesso ao mundo do trabalho.

Favoreceu-se a especialização em detrimento de saberes essenciais, capazes de promover o estabelecimento de relações, e isto não apenas na cultura literária, mas também na científica. O ideal iluminista – capaz de espírito crítico, o valor do pensar com autonomia, do “ousar saber” – passou a segundo plano em favor de receitas com eventuais garantias de sucesso no plano profissional.

Entretanto, o ideal da educação democrática produziu a massificação da escola, bem como um discurso de cariz predominantemente técnico em várias áreas, o que acabou por diminuir padrões de exigência, descurando por vezes o seu papel na transmissão do civismo e da memória colectiva, suporte da identidade de um povo e garantia de futuro.

Por fim, algumas orientações de saberes especializados tiveram consequências nocivas na sua aplicação ao ensino, fazendo transitar para escalões etários inadequados nomenclaturas, concepções e linguagens técnicas nem sempre coerentes; e de teorias com pouca vantagem efectiva.

Criou-se a ideia de que a Literatura seria apenas um género de discurso, ao lado de outros, perdendo-se de vista a exemplaridade do texto literário e a sua imensa diversidade histórica e autoral; a História foi desprezada em função do esforço de memorização exigido e da “inutilidade” do passado; a Filosofia esquecida pela inaptidão para o imediato; a Matemática foi temida pela sua pretensa dificuldade.

Em face da falência dos resultados educativos desse modelo, assiste-se agora ao regresso de alguns destes saberes, de modo a que o estudante adquira não só conhecimentos capazes de desenvolverem aptidões intelectuais, afectivas, de sociabilidade; mas saiba também usar os saberes que a escola lhe proporcionou para viver melhor a sua vida.

Por outro lado, apareceram outras modalidades de ensino, como o eLearning, e escolas em que o professor não desempenha a função tradicional; modalidades que abrem perspectivas mas colocam problemas de que importa tomar consciência.

É esta mudança de paradigma e as suas responsabilidades em face das gerações futuras que este colóquio pretende equacionar e problematizar.

As Humanidades são, para o futuro de todos nós, e não apenas para aqueles que as escolhem como área de formação escolar, um lugar decisivo para a construção e preservação do nosso património material e imaterial, para o seu conhecimento e compreensão, e para a preparação de uma cidadania mais reflexiva e consciente.

Devo ainda acrescentar duas palavras que não posso calar:

Antes de mais: todas as personalidades que aceitaram intervir neste Colóquio fizeram-no sem esperar qualquer retribuição, de forma perfeitamente desinteressada.

Infelizmente, já se tornou banal que, no domínio das Humanidades, paguemos para trabalhar. Esta condição (injusta) também nós tivemos – implicitamente – de a pedir a todos os colaboradores do Colóquio que – generosamente – a aceitaram. Estamos-lhes imensamente gratos.

A situação a que aludi deriva das extremas dificuldades de natureza económica com que as Universidades se debatem, fruto de Orçamentos Gerais do Estado que pressupõem que se pode cortar no ensino, como noutros domínios, sem comprometer o futuro do país.

E já não falo daqueles sectores onde o Estado deveria fazer cortes drásticos: institutos, fundações, quantidade absurda de assessores dos gabinetes ministeriais, os contratos swaps, as parcerias público-privadas, e finalmente o recurso – pago de forma milionária – a gabinetes de advogados que executam os acordos que deviam ser da estrita competência da máquina do governo; duplicando e pervertendo a função pública, uma vez que esses gabinetes, privados, não garantem a isenção do que público é.

Aí estão os domínios que os governantes se esquecem de gerir com parcimónia, recolhendo meios que lhes permitissem não reduzir o investimento nos sectores vitais, onde a Educação tem um lugar de destaque.

As universidades, bem como a Fundação para a Ciência e Tecnologia, suporte de toda a investigação onde os jovens portugueses se têm revelado notáveis, vêem os seus orçamentos empobrecidos a ponto de ter de diminuir os gastos no ensino e na investigação; descendo para níveis que põem em causa a qualidade. Ora neste domínio, perder qualidade é perder tudo.
 

Em face desta realidade política movida apenas pelo valor do dinheiro, pela competição e pelo culto do mais forte, as Humanidades revelam-se uma esperança.

A sociedade liberal pode ver como o motor da história a concorrência, mas a comunidade humana só subsiste se a colaboração e a competição forem a par.

Não importa apenas a liberdade.

A igualdade e a fraternidade são valores humanos que tornam “o homem mais humano”.

Repito o que disse antes: as Humanidades são, para o futuro de todos nós, um lugar decisivo para a construção e preservação do nosso património material e imaterial, para o seu conhecimento e compreensão, e para a preparação de uma cidadania mais reflexiva e consciente.